Por outras percepções de Educação e de Pedagogia

É comum relacionarmos educação e escola como sinônimos, ao menos quando concebemos a educação como um processo de escolarização. Um desdobramento dessa ideia é percebermos os profissionais da educação quase exclusivamente como agentes das instituições escolares. No texto de hoje proponho uma desconstrução dessa noção que consideroredutora, tomando por referência meu próprio trabalho enquanto pedagogo, especialmente quandoatuante emcontextos de educação não escolar.

Egresso do curso de Licenciatura em Pedagogia da UFPE, comecei minha trajetória profissional como educador social no jaboatonense Movimento de Apoio aos Meninos de Rua; pouco depois, trabalhei como pedagogo-professor – também chamado professor polivalente, professor daEducação Básica ou professor do “primário”, como diriam os mais antigos – nas redes públicas de ensino dos municípios de Moreno, Jaboatão dos Guararapes e Recife. No entanto, é meu trabalho como pedagogo jurídico vinculado ao Poder Judiciário que quero acentuaraqui.

Já estabelecido como profissional da educação no ambiente escolar, em 2012 submeti-me à prova do concurso público para o cargo de Analista Judiciário Pedagogo do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). Confesso que, mesmo lendo o edital do certame, na época ainda não compreendia bem o que poderia desempenhar caso fosse aprovado. Sabia que iria trabalhar com um juiz ou uma juíza, profissionais com quem nunca havia tido contato. Inesperadamente aprovado, no final de 2013 fui convocado para compor o quadro funcional da instituição, sendo lotado na Equipe Interprofissional da Infância e Juventude da Comarca de Moreno, atrelada à 1ª Vara Cível.

Apesar dos primeiros anos terem sido ainda mais desafiadores – haja vista não me sentir suficientemente preparado pela Academia para o exercício da nova função – com o tempo fui constatando a importância do trabalho do pedagogo não só nos Tribunais de Justiça estaduais e outros componentes do Poder Judiciário, mas, de modo mais amplo, no Sistema de Justiça nacional, uma vez que descobri que havia colegas ligados ao Ministério Público e à Defensoria Pública em alguns estados de nosso país. Mas, o que um pedagogo ou uma pedagoga faz ou pode fazer nestes espaços tradicionalmente ocupados por juristas? Bem, para entender melhor, é preciso considerar que a educação é um fenômeno social que atravessa, mas extrapola, o cenário escolar e que, portanto, vai além dos processos de ensino e aprendizagem que caracterizam a docência e a relação professor-aluno com a qual estamos mais familiarizados – até em decorrência de nossas muitas experiências pessoais de estudantes ou de profissionais do magistério.

Não é um posicionamento plenamente aceito, mas há pensadores e pensadoras que defendem a Educação e a Pedagogia – compreendida como Ciência da Educação – enquanto campos teóricos e práticos amplos, fundamentados na ideia de formação e desenvolvimento integral do ser humano, algo que a instituição escolar sozinha não conseguiria abarcar, por mais qualificada e estruturada que fosse. O psicanalista francês Jacky Beillerot,na década de 1980, resumiu tal concepção generosa na expressão Sociedade Pedagógica, através da qual pretendeu traduzir o necessário engajamento tanto das escolas quanto de outras agências potencialmente educativas no preparo das novas gerações para a convivência humana e para o mundo do trabalho nas sociedades industriais e democráticas contemporâneas. O antropólogo brasileiro Carlos Rodrigues Brandão escreveu mais ou menos nessa época que não há uma educação,no singular – no caso, a que se materializa nas salas de aula das escolas modernas –, mas várias educações, levando-se em conta a multiplicidade de culturas, de processos e de objetivos formativos. Tomando a Pedagogia em sua dimensão prática, ou seja, de prática educativa intencional realizada dentro e fora do perímetro escolar, concluímos que o(a) pedagogo(a) pode e deve se implicar profissionalmente nas carreiras associadas à docência e à escola, assim como nas associações, nos sindicatos, nos movimentos sociais, nas políticas públicas das áreas educacional, socioassistencial, de saúde, de justiça etc. Isso defende também o pedagogo e professor José Carlos Libâneo em seus textos, e agora enquanto prefaciador do livro Pedagogia Jurídica no Brasil: Questões Teóricas e Práticas de um Campo em Construção, obra que acaba de ser publicada pela Editora da Universidade Estadual do Ceará no formato e-book.

O(A) pedagogo(a) jurídico(a), como a colega Mirelly Silva e eu apresentamosem nosso livro As Práticas do Pedagogo nos Tribunais de Justiça Brasileiros: A Emergência de uma Pedagogia (Jurídica)?– recém-publicado pela editora CRV – foi recrutado(a) para trabalhar nos fóruns e em outras unidades judiciárias: Escolas Judiciais, Memoriais de Justiça, Centrais de Depoimento Especial, Juizados do Torcedor, Varas de Execução de Penas Alternativas, Programas de Justiça Restaurativa etc. Seu trabalho mais visível, conforme exemplifiquei ao mencionar meu atrelamento à área Infantojuvenil, é o atendimento a crianças e adolescentes e seus familiares, quando atua nas ações judiciais na condição de perito(a), por determinação dos(as) juízes(as) de quem são auxiliares e assessores(as) em matéria pedagógica.

Para ilustrar melhor: esse/essa pedagogo(a)avalia os processos formativos e aspectos do desenvolvimento humano e do melhor interesse de crianças e adolescentes, por exemplo, em medida protetiva de acolhimento institucional (quando estão provisoriamente nos chamados “abrigos”); em cumprimento de medida socioeducativa (quando restou comprovada a prática de ato infracional por maiores de 12 anos de idade);na definição de sua guarda ou tutela legal; na possível destituição do poder familiar de seusgenitores;na preparação para inclusão em nova família; na aplicação de medidas protetivas a crianças e adolescentes testemunhas ou vítimas de violências etc. Também é possível que o(a) pedagogo(a) jurídico(a) trabalhe na preparação de pretendentes à adoção; no acolhimento de mulheres que desejam entregar legalmente seu filho para adoção; na elaboração e execução de projetos e/ou programas vinculados às Coordenadorias da Infância e Juventude dos Tribunais, entre muitas outras possibilidades insuficientemente exploradas, pouco documentadas e publicizadas ou mesmo à espera de quem as queira viabilizar. No Judiciário, é forte a noção de que o(a) profissional da Pedagogia também pode contribuir na educação em direitos humanos, nas práticas restaurativas, na humanização dos serviços, sejatrabalhando com os(as) demais servidores(as) e magistrados(as), seja voltando-se para os chamados jurisdicionados (termo técnico que caracteriza as pessoas usuárias dos serviços da Justiça).

Assim, embora careça de mais espaço para demonstrar as potencialidades do trabalho pedagógico em circunstâncias não escolares, especificamente no Judiciário e no Sistema de Justiça, creio que apresentei elementos teóricos e práticos que talvez agucem a curiosidade cidadã de quem ora nos lê. Enquanto associado, meu propósito nesta edição de A Voz da AFABE foi partilhar uma realidade que não pode continuar encoberta ou quase ignorada.A sociedade, representada pelo legislador, demandou o(a) pedagogo quanto redigiu o Estatuto da Criança e do Adolescente e outras legislações infraconstitucionais,as quais captaram a importância da Pedagogia para as transformações de nossa sociedade historicamente tão injusta. Por isso precisamos de mais pedagogos/as efetivos nos Tribunais de Justiça; por isso precisamos que os(as) colegas aprovados(as) no concurso de 2017 do TJPE sejam urgentemente convocados(as) para ajudar a acelerar essas transformações; por isso precisamos de novas abordagens educacionais e pedagógicas nos meandros dessa Sociedade Pedagógica.

É importante dizer, já finalizando, que a comarca de Bezerros felizmente conta com uma equipe técnica interprofissional para auxiliar seus juízes de Direito, sobretudo em processos das áreas Infanto-juvenil e de Família. Esta equipe é integrada pela pedagoga jurídica Ana Carolina Martins Lôbo, membra da atual gestão do Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado de Pernambuco (SINDJUD-PE) e representante deste sindicato na Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário nos Estados (FENAJUD), onde é coordenadora de gênero, etnia e geracional. Com tantos(as) outros(as) aguerridos(as) companheiros(as), ela e eu, bezerrenses de origem ou por ofício, continuamos ajudando na construção de uma página importante da história da Pedagogia no Brasil, notadamente a partir da recentíssima constituição da Associação Nacional de Pedagogia Jurídica (ANPEJUD), cuja presidência tenho orgulho de estar exercendo (mais informações via Instagram, em @pedagogia_jurídica).

Por Pedro Rodrigo da Silva, Pedagogo e Associado AFABE. #AVozdaAFABE #PedagogiaJurídica #Pedagogia #ANPEJUD