O Centenário de Nascimento de Paulo Freire e a AFABE

Orgulhoso por oficialmente fazer parte da Associação dos Filhos e Amigos de Bezerros, quero pedir licença aos/às demais associados/as e aos/às nossos/as leitores/as antes de inaugurar minhas atividades na entidade de modo simbólico, através deste texto. Quero também honrar a memória de seu fundador, Geraldo Peixoto, ao mesmo tempo agradecer ao seu atual coordenador geral, Vinícius Carvalho, pelo generoso convite para integrar a iniciativa A Voz da AFABE.

O tema de minha primeira reflexão só poderia ser o centenário de nascimento do educador Paulo Reglus Neves Freire. Se vivo fosse, este recifense completaria a data redonda em 19 de setembro de 2021. Apesar das atenções concentradas na pandemia da COVID-19, há muitas instituições se preparando para não deixar que a data passe em branco. Universidades, faculdades e escolas dentro e fora de nosso país estão organizando eventos para destacar a importância do patrono da educação brasileira e testemunhar o seu legado para as novas gerações de estudantes e professores. Mas é do campo da educação popular que parto para evidenciar a grandeza deste pernambucano-cidadão-do-mundo, haja vista a influência decisiva que exerceu e continua exercendo no dia a dia das associações, movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos etc.

Quando a AFABE nasceu, em 1993, Paulo Freire já havia escrito a maior parte de sua obra, percorrido as periferias do mundo, aprendendo e ensinando a esperançar perante injustiças e autoritarismos. Um ano antes ele nos presenteava exatamente com a publicação de Pedagogia da Esperança: Um Reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Pedagogia do Oprimido, aliás, talvez seu livro mais lido no mundo inteiro, atingiu o cinquentenário de lançamento em 2018, chegando em 2020 à sua 74ª edição. Um feito excepcional para qualquer escritor. Nele seu autor escreveu a seguinte dedicatória: “Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam.”

Todos/as sabemos que a AFABE surgiu de uma mobilização coletiva em defesa do/a esfarrapado/a, do/a oprimido/a. Não de um/a oprimido/a específico/a, mas daquele/a bezerrense, em geral, socialmente mais vulnerável, que quisesse se irmanar na luta em prol de um “mundo menos difícil de amar”, como Freire escreveu na última página de sua mencionada obra-prima. Por deliberação de seus/suas sócios/as fundadores/as, a AFABE se posicionou na direção da educação libertadora, voltada à emancipação do ser humano frente a todas as forças que pretendem justamente inviabilizar seu processo de humanização e o inédito viável (expressão de Paulo Freire que aqui traduzo como “um outro mundo possível e desejável”). Há 28 anos, portanto, a AFABE vem praticando as lições paulofreireanas contidas nas suas Pedagogias da Solidariedade, da Pergunta, do Diálogo e da Autonomia.

Creio ser necessário renovarmos sempre este compromisso institucional com a educação integral dos sujeitos, assumindo todas as consequências por fazê-lo em um contexto histórico que novamente afronta os direitos humanos, dentre eles o direito inalienável à educação. Se a simples evocação do nome de Paulo Freire ainda gera tantas polêmicas vazias – seja pela falta de leitura de suas obras, pelo medo das elites intelectual, cultural, política e econômica nacionais de verem as pessoas se organizando contra seus desmandos ou por qualquer outro motivo pouco nobre – que a AFABE siga sendo um ambiente de promoção do pensamento e da ação críticos, amparada nas melhores tradições pedagógicas que herdamos.

Que possamos em nossa Associação prestar as devidas homenagens nos 100 anos deste que é, sem dúvida, um dos maiores educadores de todos os tempos, motivo de orgulho para Bezerros, para o Brasil e para o mundo. Como ele mesmo pediu, pouco antes de morrer, em 1997, que seja lembrado igualmente em 2021 “como alguém que amou o mundo, as pessoas, os bichos, as árvores, a terra, a água, a vida.” Viva, Paulo Freire!