Pela Imediata Vacinação de Crianças Contra a Covid-19

Tenho 38 anos de idade. Meus contemporâneos provavelmente não se esquecem das campanhas de vacinação que no começo dos anos 1990 transformavam as escolas em postos de saúde. Era um tempo em que a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o próprio Sistema Único de Saúde (SUS), assim como nós, desabrochavam. Havia um projeto de sociedade a efetivar e nossa geração deveria ser educada para desenvolver um senso de responsabilidade coletiva, ajudando a garantir o “futuro da nação”.

Lembro que nessa época, em alguns momentos do ano, as atividades escolares eram suspensas para recebermos agentes públicos de saúde que vinham usar em nossos braços as antigas pistolas de ar comprimido, resquícios dos tempos de ditadura militar. Amedrontadas e ao mesmo tempo fascinadas pelo instrumento, crianças de 6 a 10 anos de idade eram carinhosamente encorajadas por profissionais da educação a enfrentarem a famosa “rápida picada que não dói”; tratava-se de uma providência que as preservariam de muitas mazelas, conforme rezavam as zelosas professoras. O ambiente simultaneamente de fraternidade e de disputa que se formava entre o público hesitante colaborava para que fosse inteligente e valente o suficiente, de modo a se livrar o mais rápido possível daquela tensão pré-injeção e das evitáveis doenças àquela altura ilustradas nos livros didáticos.

É possível que psicologicamente alguns de meus colegas tenham saído emocionalmente fragilizados dessa experiência inegavelmente um tanto traumática, passando a temer agulhas pela vida afora. Contudo, é indiscutível que os benefícios dessa imunização grupal e de outras campanhas que se sucederam contra a poliomielite, o sarampo, a rubéola, o tétano, a difteria, a coqueluche, a gripe… superaram de longe seus possíveis efeitos colaterais nos indivíduos.

Hoje somos nós, geração Zé Gotinha, quem levamos nossos filhos para vacinar nas milhares de unidades básicas de saúde que se articulam para o Brasil oferecer um dos maiores programas de imunização do mundo, apesar da queda ano após anos das coberturas vacinais no calendário infantil, desde 2018[1]. Certamente somos nós os ansiosos pelo amplo retorno das aulas presenciais após dois anos de pandemia de COVID-19, pois entendemos que o território escolar, para além das habilidades cognitivas que ajuda a desenvolver, é um espaço favorável ao estabelecimento de rotinas de convivência comunitária fundamentais à saúde mental e ao desenvolvimento integral infantojuvenil.

É especialmente para os membros desta geração, nascida no contexto da reabertura democrática, que aprendeu a valorizar os avanços científicos e soma mais anos de escolarização que desejo escrever aqui. Por favor, não se sintam melhores do que as outras pessoas após esse destaque, senão apenas mais responsáveis pela transformação da conjuntura adversa que ora assinalo.

Nos últimos dias estamos testemunhando mais uma iniciativa medonha do Governo Federal. Não bastasse a declaração insana do próprio presidente da República, ao afirmar que sua filha de 11 anos de idade não será vacinada contra a COVID-19, o mandatário, através de seu Ministro da Saúde Marcelo Queiroga, lançou, em 23/12/2021, uma Consulta Pública[2] inédita, tendenciosa, inoportuna, enfim, completamente descabida, para adiar o início da vacinação das cerca de 20 milhões de crianças brasileiras de 5 a 11 anos mapeadas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi mais um ataque covarde de Bolsonaro contra o povo, a comunidade científica e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) que, desde o dia 16/12/2021[3], por ser de sua competência, autorizou o uso da vacina produzida pela Pfizer/BioNTech nesta faixa-etária.

Após quase 620 mil pessoas mortas desde o início da pandemia no Brasil, o agente público de quem mais se espera lucidez e responsabilidade para o enfrentamento de uma das piores crises sanitárias da história nacional agora se mostra mais uma vez incapaz de sequer sentir empatia, indiferente, na prática, à possibilidade de mais crianças adoecerem e morreram de COVID-19, inclusive sua caçula.

Tal postura contrasta, primeiro, com a afeição com que os adultos têm percebido e tratado as crianças na Modernidade, independente de imposição legal; destoa ainda dos caputs do Art. 227 da Constituição Federal de 1988 e do Art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, dispositivos que preveem o dever compartilhado entre a família, a sociedade e o Estado de assegurar também à criança, com absoluta prioridade, entre outros, os direitos à vida e à saúde; se afasta igualmente do Código Civil em vigência, que em seus Art. 1.637 e 1.638, apresenta o que um pai ou uma mãe não devem fazer, caso não queiram perder o poder familiar em relação ao seu filho: “Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.”    

Para quem ainda se surpreende com a postura negligente de Bolsonaro enquanto político e pai, depois de mais de 30 anos de irrelevante atividade pública, o próprio evidenciou diversas vezes que esperar qualquer melhoria nela não passará de ingenuidade; no mesmo lado, seus simpatizantes e apoiadores nas diversas instâncias dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, no Ministério Público, vêm contribuindo de algum modo para que as ilegalidades em seu mandato prossigam impunes, de maneira que também não é inteligente criar expectativas ilusórias de que se sensibilizarão com os riscos a que nossas crianças estão sujeitas a cada dia de atraso na aquisição e distribuição das vacinas. Sabemos: a encarnação da maldade a que vimos assistindo nas ações e omissões destas pessoas só encontram paralelo nos períodos mais terríveis de nosso país e da humanidade, momentos pelos quais têm sanha de reviver.

Longe de sugerir que não devemos insistir para que elas cumpram a legislação e se empenhem pelo correto funcionamento das instituições republicanas, defendo que adotemos postura militante para pressionar e acionar simultaneamente os órgãos públicos, as entidades da sociedade civil, as mídias etc. a fim de que nossa indignação contagie e resulte no aumento exponencial das exigências pelo imediato começo da vacinação, forçando o Ministério da Saúde a finalmente agir, mesmo que de má vontade.

Neste sentido, entendo que não podemos aguardar passivamente o resultado da famigerada Consulta Pública e recomendo que as pessoas físicas participem dela (https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/consultas-publicas/2021/consulta-publica-para-esclarecimentos-quanto-a-vacinacao-de-criancas-de-5-a-11-anos), aproveitando o espaço reservado para contribuições no formulário para o registro de manifestações de repúdio contra a própria consulta. Mas, atenção: é necessário interpretar cuidadosamente as perguntas ambíguas que compõem o questionário, haja visto ter sido elaborado intencionalmente para satisfazer os reais interesses do Governo Federal, que nada têm de democráticos ou de preocupados com nossa saúde.

Outro modo de contribuir, como fez a AFABE, é prestar apoio, na condição de pessoa jurídica, a manifestações de entidades representativas de profissionais de saúde realmente atentas à defesa do bem-estar de nossas infâncias, como a Declaração Pública da Associação Médica Brasileira (https://amb.org.br/noticias/amb/declaracao-publica-de-apoio-a-nota-da-ctai-covid-sobre-a-vacinacao-de-criancas-de-5-11-anos/). Não precisamos de “tratamento precoce” prescrito sem comprovação científica nem de declarações irresponsáveis de médicos que não tiveram o devido filtro do Conselho Federal de Medicina, sequer durante os momentos mais agudos e escandalosos da pandemia, conforme apurou a CPI da COVID.  

Percebo igualmente que é importante que a prefeita Lucielle Laurentino, as secretárias municipais de Saúde (Iêda Campos) e de Educação (Tarciana Nápoles e Iolanda Silva), os vereadores, os representantes do Conselho Municipal de Direitos das Crianças e dos Adolescentes de Bezerros (COMDICA), do Conselho Tutelar de Bezerros, do Conselho Municipal de Saúde, do Conselho Municipal de Educação, entre outras autoridades municipais, deixem explícita e tornem pública, se ainda não o fizeram, sua posição e seu nível de interesse quanto ao tema vacinação de crianças contra a COVID-19. Sendo favoráveis a ela, devem se engajar nesta “campanha pró-vida”, pressionando por meio de todas as estratégias possíveis nossos representantes e seus aliados na Associação Municipalista de Pernambuco (AMUPE), na Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE), na Confederação Nacional de Municípios (CNM), na Câmara dos Deputados, no Senado etc. para que a defesa da vida e da saúde das crianças brasileiras e bezerrenses não fique apenas nas leis, nos projetos ou na retórica. Um exemplo a ser seguido é o dos secretários de educação de alguns estados e municípios, que se articularam e enviaram, em 29/12/2021, uma carta para o Ministro da Saúde, enfatizando a urgência da vacina em vista da iminente preparação das escolas para a desejável volta às aulas presenciais no ano letivo de 2022: https://prefeitura.rio/educacao/secretarios-de-educacao-se-unem-para-cobrar-a-vacinacao-das-criancas-contra-covid-ainda-nas-ferias-escolares/.   

Se restam dúvidas do ponto de vista técnico-científico sobre os motivos para a urgência desta vacinação, recomendamos a leitura dos comunicados da ANVISA (https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/copy_of_PPAM511anosPfizer2.pdf e https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/anvisa-responde-em-nota-tecnica-questionamentos-enviados-a-agencia-por-grupo-de-medicos/sei_anvisa-1721596-nota-tecnica-496.pdf), da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da COVID-19 (https://www.conass.org.br/wp-content/uploads/2021/12/Nota-vacinacao-de-criancas_2021-12-23_assinado.pdf), da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) (https://sbim.org.br/noticias/1627-posicionamento-sbim-sbi-sbp-sobre-a-vacinacao-de-criancas-de-5-a-11-anos-contra-a-covid-19), da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) (https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/carta-divulgacao-sbim-sbi-sbp-anvisa.pdf), da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) (https://agencia.fiocruz.br/sites/agencia.fiocruz.br/files/u35/nt28.12.pdf) etc. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescentes (CONANDA), órgão responsável por formular, discutir, controlar e coordenar ações para promover e proteger os direitos da população infantojuvenil em nosso país, cumpriu seu papel e se pronunciou favoravelmente à vacinação em setembro do corrente ano (https://www.gov.br/participamaisbrasil/blob/baixar/9010).  

Com Carlos Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), termino dizendo às crianças bezerrenses e brasileiras: “Que o Papai Noel traga neste ano muito amor, alegria, abraços, diversão e PROTEÇÃO contra a COVID-19. E que todos possam compartilhar esses presentes com o papai e a mamãe. Feliz Natal!” (https://www.conass.org.br/carta-de-natal-do-conass-as-criancas-do-brasil/) Feliz Ano Novo!     

Pedro Rodrigo da Silva

Pedagogo e associado à AFABE. Bezerros, 30 de dezembro de 2021.


[1] Conferir: https://www.metropoles.com/brasil/referencia-mundial-programa-nacional-de-imunizacoes-perde-protagonismo

[2] Conferir: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/consultas-publicas/2021/consulta-publica-para-esclarecimentos-quanto-a-vacinacao-de-criancas-de-5-a-11-anos

[3] https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/anvisa-aprova-vacina-da-pfizer-contra-covid-para-criancas-de-5-a-11-anos